62. Smack: “Rádio Smack”

O Smack foi uma das incontáveis bandas por que passou o guitarrista Edgard Scandurra, nos anos 1980. Para muitos, inclusive, não se tratava de uma banda, e sim de uma superbanda, uma verdadeira “seleção” de músicos de outros conjuntos: além de Edgard (que tinha uma história nas Mercenárias, no Ultraje a Rigor e nos Voluntários da Pátria, antes de se fixar no Ira!), a baixista Sandra Coutinho (das Mercenárias também), o baterista Thomas Pappon (dos Voluntários e, mais tarde, do Fellini) e o vocalista/guitarrista Sérgio Pamplona (o Plamps, falecido em 2015). A banda possui uma estreia ao vivo, de 1985, e este Noite e dia, do ano seguinte. Um achado obscuro do BRock! São apenas nove faixas, a começar por um tema instrumental, “Abertura”, que soa como um jazz pós-punk e guitarreiro. “Pequena Dissonância”, a seguir, tem um título representativo: o andamento lembra o punk do The Clash, mas diversos sons eletrônicos, totalmente descolados da harmonia e da melodia, roubam a cena. “Não Enlouqueça”, que vem logo depois, é um reggae gótico, com guitarras à Andy Gill (e o Gang of Four é sempre lembrado como uma das principais influências da banda). A essa altura, o ouvinte talvez já esteja imaginando o que mais o disco guarda: um mix de influências do punk, do mod e do pós-punk, numa linguagem apropriada ao underground de São Paulo. Pois a próxima faixa, “Cavalos”, não tem quase nada disso: a bateria de Pappon, novamente, tem uma levada jazzy, mas a letra, meio falada por Pamps e Sandra, chega a lembrar as experimentações da Vanguarda Paulistana – e poderia constar, perfeitamente, num disco de Itamar Assumpção. Fechando o lado-A, outra composição instrumental, nosso tema de hoje: “Rádio Smack”, composta por Sandra, Pamps e Pappon. Retornam os ruídos eletrônicos de “Pequena Dissonância”, com fragmentos de uma transmissão de FM, sobre uma base de bateria ora mais reta e punk, ora mais irregular, com as guitarras de Edgard (que, é bom dizer, não participa de todas as faixas) e Pamps duelando ao fundo. O lado-B guarda outras surpresas, a começar por “Sete Nomes”, uma das melhores do disco. “Desafinado”, canção seguinte, retoma o tema do desajuste sonoro, e não é por acaso que o Smack já foi associado a movimentos artísticos baseados na fragmentação e na desarmonia, como o cubismo e o dadaísmo. Apesar do título, a composição nada tem a ver com o sucesso de João Gilberto – sendo digna de nota a existência de passagens mais aboleradas, seu único elo com a produção de artistas da MPB –, e, num disco totalmente elétrico, é a única gravação com algum instrumento acústico (o violão de 12 de Edgard). “Just Really”, que vem logo depois, tem letra em inglês, melodia soturna, andamento arrastado e uma bateria meio à John Bonham (se você duvida, escute “The Hover” do Led Zeppelin). Encerrando o álbum, a faixa-título (que não é o sucesso de Lobão) ameaça uma levada eletrônica, mas logo cede a um vigoroso rock (com um quê de blues), conduzido pelo shuffle de Pappon. Som oitentista dos bons, que merece ser redescoberto, como muitos outros que ainda serão abordados neste blog.

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