50. João Carlos Martins: “Luiza”

João Carlos Martins é reconhecido, no Brasil e no mundo, principalmente por sua emocionante história de superação. Como é sabido, o “Maestro” (e mantenho uma relação ambivalente com essa alcunha tão popularizada: se, por um lado, soa como um tratamento carinhoso, por outro, acaba por lançar em certo anonimato uma figura tão importante para a música brasileira) enfrentou uma série de infelizes obstáculos à sua arte de tocar o piano. Chegou a se apresentar utilizando apenas uma das mãos e, até recentemente, podia tocar apenas com os polegares. Graças à tecnologia, que lhe deu “luvas biônicas”, voltou a utilizar todos os dedos, não com a mesma habilidade da juventude, ainda assim, emocionando muita gente. Porém, embora a trajetória de João seja mesmo admirável, por sua persistência e seu amor incondicional à música, é curioso que, em geral, as pessoas se interessem mais pelo drama do que pela música. Isso é triste, já que o pianista paulistano deixou registrada a obra completa de Bach, acessível a um clique, e vem lutando, já há muitos anos, pela popularização da música clássica. Seu principal projeto, nesse sentido, foi a criação da Orquestra Bachiana Jovem, espaço de formação e de divulgação da música erudita. Pois foi com a Orquestra que João Carlos Martins, ainda usando poucos dedos, registrou um interessante repertório no disco Paixões (2007). Estão ali clássicos universais obrigatórios – Bach, Mozart e Schumann –, uma pequena seção dedicada a Villa-Lobos (com a “Melodia Sentimental”, além da famosíssima “Ária” da 5ª Bachiana), uma passagem pela bossa-nova (com composições de Baden Powell, Vinícius de Moraes e Antonio Carlos Jobim) e o fechamento com nosso Hino Nacional. Destaco, para este projeto, a seção bossa-novista, que traz um repertório que surpreende por não ser óbvio: começa com a dramática “Luiza” (tão linda que merece ser nosso tema de hoje), de Tom; segue com o “Samba Em Prelúdio”, que o Poetinha letrou a partir de uma melodia de Baden, “levemente” inspirada no “Prelúdio” da 4º Bachiana Brasileira; apresenta “Insensatez”, bossa típica de Tom e Vinícius; e finda com “Eu Sei Que Vou Te Amar”, a mais óbvia das quatro, mas com um arranjo surpreendente, por incluir na introdução a Cantata 147 de Bach (conhecida como “Jesus, Alegria Dos Homens”). Quanto ao Hino Brasileiro, só observo que, dada as dificuldades de João em seguir à risca a melodia original, a gravação acaba trazendo momentos que remetem, curiosamente, à “Grande Fantasia Triunfal Sobre O Hino Nacional Brasileiro”, de Gottschalk. Enfim, reforço a exortação a escutarmos Bach pelas mãos do Maestro – e, quem sabe, uma divulgação maior de Paixões acabe por impulsionar a juventude à escuta de um compositor magnífico, pelas mãos de um de seus mais dedicados intérpretes.

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