73. Los Indios Tabajaras: “New Orleans”

A história dos irmãos Mussaperê e Herundi, dois indígenas tabajaras que deixaram o Ceará para ganhar o mundo, merecia ser contada num filme.

Autodidatas nos instrumentos de cordas, foram protegidos (sequestrados?) por um militar de nome Hildebrando Moreira Lima, que os rebatizou como Natalício e Antenor. Com uma mão à frente e outra atrás, percorreram o Brasil sobrevivendo com sua música, até se apresentarem pela primeira vez na rádio Cruzeiro do Sul, em 1945, já próximos dos 30 anos de idade. A partir daí, cruzaram países da América Latina até chegarem aos Estados Unidos (onde viveram longos anos) e, de lá, a Europa e até o Japão. Nesses tempos cosmopolitas, eles – que, até os 10 anos, nunca haviam pisado na cidade, nem tinham visto o mar – tiveram a oportunidade de receber uma instrução musical formal, ao ponto de executarem um repertório erudito que incluía Bach, Andrés Segovia, Chopin e Villa-Lobos.

Nos Estados Unidos, onde ficaram famosos como Los Indios Tabajaras, lançaram incontáveis álbuns e alcançaram a marca de mais de um milhão de discos vendidos. Apesar das figuras exóticas que estampam a maior parte desses lançamentos, os irmãos não ficaram conhecidos por dar vida a um repertório brasileiro, voltado para o samba, para a bossa ou para a musicalidade tribal. Na verdade, seu maior sucesso é um foxtrote, “Maria Elena”, e destaco da dupla, hoje, um álbum repleto de temas parecidos, Always in my heart (1964).

Todas as faixas são instrumentais e possuem uma estrutura simples: Herundi proporciona o seguro e pulsante terreno harmônico sobre o qual Mussaperê ousa melodias que, frequentemente, rompem a barreira do sublime. As 12 faixas do álbum não são apenas muito bonitas; são executadas de forma assombrosamente perfeita – e, se você duvida, escute a lindíssima “Over The Rainbow”, prestando atenção aos harmônicos (literalmente, brilhantes) que aparecem antes de completado o primeiro minuto da faixa.

E ao lado de oito temas que parecem retratar um contexto de transição da música latina para o country (na minha cabeça, alguns desses foxtrotes poderiam estar tanto no repertório de Violeta Parra, quanto no de Willie Nelson), os Índios Tabajaras apresentam também quatro composições de Natalicio, sendo até difícil escolher alguma delas como tema de hoje. “More Brandy Please” se destaca pela sonoridade quase blueseira, enquanto “Wide Horizon” tem toda a cara de folk music americana (e, com esse termo, entenda a música que se faz da América do Sul até o Havaí). Já as duas faixas intituladas com nomes de lugares, “Central Park” e “New Orleans”, têm outros atrativos. A primeira chega e remeter, vagamente, à bossa-nova, por sua harmonia mais complexa e, em alguns momentos, abertamente dissonante. A outra, por sua vez, traz alguns dos solos mais espetaculares do disco.

Fiquemos com ela, “New Orleans”, só por servir como argumento para a ousada declaração do jornalista e músico Luís Nassif – segundo o qual os Tabajaras demonstram uma técnica que não soa estranha à escola de grandes violonistas brasileiros, como João Pernambuco e Dilermando Reis: “[…] com todo respeito pelo mestre, aliás, diria que Natalício superou Dilermando”, arrisca Nassif. Dá vontade de concordar.

One reply to “73. Los Indios Tabajaras: “New Orleans”

Deixe um comentário

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora
close-alt close collapse comment ellipsis expand gallery heart lock menu next pinned previous reply search share star