101. Ricardo Kanji | Rosana Lanzelotte | Ensemble Vocal & Instrumental Vox Brasiliensis: “Landum”

O álbum duplo O amor brazileiro: modinhas e lundus do Brasil (2004), perdão pelo lugar comum, é uma viagem ao passado.

No primeiro disco, totalmente instrumental, aparecem peças do compositor austríaco Sigismund von Neukomm, que conviveu com a corte portuguesa nos iniciais de sua instalação na colônia, sendo professor do então infante D. Pedro. Na verdade, trata-se da obra completa de von Neukomm para flauta e pianoforte (tocados, respectivamente, por Ricardo Kanji e Rosana Lanzelotte), e muitas das peças foram escritas no Rio de Janeiro, ambiente que impressionou o maestro, com suas modinhas e lundus (gênero que inspirou a criação de “O Amor Brasileiro”, uma das mais bonitas faixas do disco).

Já o segundo disco tem um repertório majoritariamente cantado pela soprano Rosemeire Moreira e pelo tenor Tiago Pinheiro, do Vox Brasiliensis, trazendo também Guilherme de Camargo nas violas e Dalga Larrondo na percussão. O conjunto passeia por modinhas cantadas no período do Brasil Imperial, dando uma mostra do quanto o gênero, talvez criado ainda em Portugal, frutificou e evoluiu em nosso país.

O repertório traz também vários lundus, expressão musical com ascendência africana, aos poucos incorporada à música de salão, vindo a se encontrar, claro, com as próprias modinhas. Estas, em O amor brazileiro, possuem variadas procedências, e seu resgate deveu-se à soma de esforços de historiadores, musicólogos e recolhedores diversos. Nem todas as autorias puderam ser reconhecidas e, nas letras, nota-se a influência de vários movimentos de nosso passado literário: o barroco, o arcadismo e o romantismo.

Nesse disco, os temas instrumentais também são bastante representativos do caldeirão de compromissos estéticos que rodeou o diálogo entre lundus e modinhas. Por exemplo, o “Vilão Do Sétimo Tom”, para viola e percussão, é da época de Gregório de Matos; mas considero mais interessante o jogo entre os lundus instrumentais “Landum” (nosso tema de hoje) e “Lundum Para Piano”. Ambos temas, sem autoria determinada, mostram como o encontro das músicas europeia e africana levou a sínteses que poderiam apontar para direções não apenas variadas, como opostas. Com efeito, o “Landum” já traz a assinatura rítmica que mais tarde marcaria a emergência do samba e apresenta uma melodia, à flauta, baseada na repetição de motivos e em passagens quase cromáticas, além de ser sustentada por uma harmonia simples, com apenas dois acordes à viola. Por outro lado, o “Lundum Para Piano”, recolhido por Mário de Andrade, sutilmente baseado nas células rítmicas do lundu, é praticamente uma peça clássica, que em tudo lembra a música de Mozart.

Revendo o passado ou antecipando o futuro, o lundu e as modinhas são marcas indeléveis de nossa história musical. Nesse sentido, a antologia Amor brazileiro presta uma inestimável contribuição litero-musical e estética à cultura do Brasil.