Prólogo 23. Catedral: “Instrumental”

A história já é bem-conhecida: era uma vez uma banda de rock gospel, cujos integrantes eram ótimos músicos, mas experts em “processar influências” – eufemismo para plagiar na cara dura, principalmente, as canções da Legião Urbana, propondo, por vezes, verdadeiras paródias cristãs –, e que um belo dia cruzaram a fronteira entre os mundos religioso e secular, assinando um contrato com a Warner e vindo a frequentar as paradas das FMs em todo o país, para júbilo de muitos dos órfãos de Renato Russo. Eu mesmo me lembro escutar a Transamérica FM, em 1999, e me deparar com uma canção (“Eu Quero Sol Nesse Jardim”) que lembrava muito a Legião, chegando a imaginar se aquilo não fora a descoberta de alguma faixa inédita deixada pela banda. Mas, apesar do timbre do vocalista Kim ser parecido com o de Renato, um ouvinte mais atento notaria se tratar de simples imitação (mais para caricatura do que para homenagem, diga-se de passagem). De toda forma, o material produzido pela banda formada em Nilópolis, no Rio, não é de todo descartável, e trago para este projeto, hoje, o disco Eterno, lançado em 1996, justamente no ano da morte de Renato Russo. As referências legionárias estão em praticamente todas as faixas, entre um louvor e outro: “Eu Quero Apenas Falar De Amor” e “Um Novo Tempo” buscam suas harmonias e andamentos no final instrumental de “Vinte E Nove”, de O descobrimento do Brasil (então, o mais recente disco de inéditas da Legião, e não é coincidência que um verso da última canção seja “Vamos redescobrir o Brasil”); “Por Que Você Se Foi” é uma mescla da fase pós-punk da banda de Brasília, lembrando de “Por Enquanto” a “Andrea Doria”; o comecinho de “Eterno” remete a “Vento No Litoral”, enquanto o título de “Meio Sem Querer”, balada açucarada (como “Sobre Muitas Coisas”, esta, também um bocado cafona), é óbvia alusão ao hit de Dois, “Quase Sem Querer”. Mas há algumas exceções. Por exemplo, “Hoje”, abrindo o disco, é um rock vigoroso, que ganharia peso e relevância se a produção de Eterno fosse um pouquinho mais caprichada. Já “Terra De Ninguém”, enquanto aponta para “Perfeição” (também de O descobrimento do Brasil), acerta mesmo, quem diria, a Nação Zumbi – e a faixa não é ruim. Deve-se mencionar também o constrangedor pastiche de Nirvana em “O Que Há!”, que une a dinâmica de “Lithium” ao vocal berrado de “Smells Like Teen Spirit”, mais um plágio descarado, mas, pelo menos, de uma banda diferente. E, encerrando o álbum, está a faixa simplesmente intitulada “Instrumental”, heavy e executada com competência, destacando as habilidades do baixista Júlio e do grande guitarrista Cézar (infelizmente, morto em 2003). Nosso tema de hoje, a faixa foi composta – como todas de Eterno – pelo trio Kim, Júlio e Cézar, que aliás, são irmãos.

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