30. Sonia Rubinsky: “A Sertaneja, Fantasia Característica, Op. 15”

Sonia Rubinsky já fez muito por nossa música, só por ter registrado a obra completa de Villa-Lobos ao piano. Para nossa sorte, a campineira, que não reside no Brasil já há bons anos, deixou ainda outros registros de enorme importância. Refiro-me, especificamente, a The Itiberês: 80 years of Brazilian music (2017), com gravações da família Itiberê: os irmãos Brasílio Itiberê da Cunha (1846-1913) e João Itiberê da Cunha (1870-1953), além Brasílio Itiberê (1896-1967), sobrinho deles. O álbum possui três seções, alinhando as composições de cada um dos paranaenses.

Começando por João, são seis faixas, com destaque para “Canto D’Amor” (talvez a mais romântica), “No Rancho” (que parece antecipar o estilo que seria desenvolvido por Ernesto Nazareth) e a belíssima “Melodia-Valsa” (que, definitivamente, poderia ser relida por chorões).

A seguir, vêm as obras do Brasílio-tio, das quais a mais conhecida – e única que, até então, já havia sido registrada – é “A Sertaneja, Fantasia Característica, Op. 15”. A peça é tão interessante que será nosso tema de hoje. Nela, Brasílio mobiliza um procedimento que seria utilizado, mais tarde, por Villa-Lobos: a citação, ou tomada de inspiração, de peças populares. No caso, trata-se da folclórica “Balaio, Meu Bem, Balaio”, cujas células melódicas são transpostas para uma fantasia que, na performance de Rubinsky, combina virtuosismo e sentimento. Lindíssima! Do mesmo compositor, destaco ainda “Mazurka” (que explicita a influência de Chopin) e a virtuosíssima “Étude Concert, D’après C.P.E. Bach, Op. 33”. Nesta, vale mencionar que o Bach em pauta não é Johann Sebastian, mas seu segundo filho, Carl Philipp Emanuel – daí o sabor mais clássico do que barroco dessa peça fantástica.

Por fim, vem a interessantíssima seção dedicada ao Itiberê mais jovem. Do compositor, que conviveu com Villa-Lobos e Pixinguinha, Sonia gravou duas suítes: “Invocação, Canto E Dança” e “Suíte Litúrgica”. As duas peças refletem o interesse de Brasílio pelo folclore, e, para além disso, os três fragmentos da “Suíte Litúrgica” são especialmente interessantes, a começar pelos títulos: “Xangô”, “Ogum” e “O Protetor Exú”. Três orixás fortes, associados ao elemento fogo, em conflitos entre si (exceto os irmãos Ogum e Exu… mas Xangô não se bica com ambos), sendo curioso que os três estejam lado a lado nessa suíte – com um ar severo, grave, solene, refletindo essas relações tensas e conflituosas. Encerrando o álbum, outra faixa do Brasílio-sobrinho, a “Toccata”.

The Itiberês, assim, documenta um trio de compositores pouco conhecidos, mas essenciais para a compreensão dos caminhos da música brasileira – e, especialmente, sobre como o popular e o erudito se entrelaçam e se fecundam mutuamente na arte do Brasil.

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