82. Almir Sater: “…E De Minas Prá Riba”

O primeiro álbum instrumental de Almir Sater é, literalmente, uma viagem. De fato, a obra resultou do esforço do músico em pesquisar a cultura do Pantanal, na expedição da Comitiva Esperança, que inclusive virou documentário. A verdade é que Instrumental (1985) vai além das terras alagadas do Mato Grosso do Sul, e, calcado na viola caipira, acena para diversas outras regiões do Brasil, e mesmo do mundo. A primeira faixa, “Corumbá”, une norte e sul: é um blues caipira. A seguir, duas curtinhas: “Minas Gerais”, toda virtuosística, e a interessantíssima “Vinheta Do Capeta”, com seu modalismo pesado e agreste. A quarta faixa do lado-A é “Luzeiro”, talvez o mais conhecido número instrumental de viola caipira, por ser há décadas a abertura do programa Globo rural. O tema é inexplicável por palavras e, hoje, é praticamente sinônimo do universo camponês – ainda que tenha uma forma pouco convencional, com harmonia complexa e instrumentação nada óbvia, com destaque para a percussão (que inclui até um berimbau) de Papete. Fechando o primeiro lado do LP, vem “Benzinho”, tema singelo, cheio de agudos e harmônicos, única faixa em que Sater troca a viola pela violinha. No lado-B, a abertura é dada por “O Rio De Piracicaba” (na verdade, “Rio De Lágrimas”) de Tião Carreiro – e aqui, vale a observação de que essa foi a primeira instrumental que escutei de Sater (excetuando-se “Luzeiro”, obviamente), por haver, dela, uma outra versão, com mesmo arranjo, no disco-tributo Saudades de Tião Carreiro (1996), em que vários artistas do universo caipira-sertanejo celebram o repertório do violeiro de Montes Claros. E falando em Minas, a próxima faixa, “Na Piratininga De Jeep”, exala brejeirice mineira, às vezes soando como uma peça de violão clássico. O tema é de Tavinho Moura, que participa ao violão – e, aliás, no Instrumental 2 (1995) Sater incluiria outra faixa sua, a épica “Encontro Das Águas”. Encerrando o álbum, mais três composições interessantes: “Doma”, que agrega o violino de Zé Gomes (e é maravilhosa!); “Viola De Buriti”, celebrando o curioso e fascinante instrumento criado pela comunidade Mumbuca (no Jalapão, Tocantins); e nosso tema de hoje, “…E De Minas Prá Riba”, que reforça novamente o caráter cosmopolita do disco, acenando não apenas para o nordeste, com o violino de Zé Gomes às vezes soando como uma rabeca, mas também para o Oriente – graças à inesperada participação de André Gomes, filho de Zé, no sitar. Esse “raga pantaneiro”, composição de Almir com os Gomes, não poderia encerrar Instrumental em melhor estilo.

2 replies to “82. Almir Sater: “…E De Minas Prá Riba”

  1. Sensacional. A “Vinheta do Capeta”, meio esquisita, como um sino batendo numa tempestade com ventania… um sentimento de algo está por vir. Até que surge o sol e o cavalo galopando pela planície.

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