83. Tia Amélia, Banda Vila Rica: “Recordando Pattápio”

Escutei o nome de Tia Amélia, pela primeira vez, a partir de Altamiro Carrilho, que gravou em seu Bem Brasil (1983) – de onde sairá um tema deste blog, no segundo semestre – uma faixa justamente intitulada “Pra Tia Amélia”, tema que, em breves dois minutos, vai do maxixe ao baião. Mais tarde, por dica do chapa Demorô, vim a escutar (maravilhado e repetidas vezes) seu álbum Velhas estampas (1958), com aquele charme das gravações antigas. Seu repertório parece dar vida a temas esquecidos de Ernesto Nazareth ou Chiquinha Gonzaga, mas… ledo engano: é tudo autoral. Importa dizer que Velhas estampas foi reeditado recentemente (2020), rebatizado (Sorrriso de Bruno) e pequenas alterações na ordem das faixas. Dessa gravação, destaco a (nova) faixa-título, que mostra eloquentemente o quão estavam entrosados a pianista e os músicos que a acompanharam, a tal Banda Vila Rica. Já a faixa seguinte, “Bordões Ao Luar”, bem-conhecida dos chorões, tem um gostoso balanço maxixado e, lá pelas tantas, inclui arpejos quase bachianos, criando uma atmosfera de suspense crescente (recurso que Pixinguinha tão bem explorou em “Lamentos”), logo interrompido pela retomada da melodia principal. Novamente, a Vila Rica brilha, mas é o piano de Tia Amélia o centro das atenções, pois o domínio técnico da instrumentista jamais conflita com a expressividade. O lado-A de Velhas estampas traz ainda uma faixa tão desconcertante que não poderia passar batida, merecendo ser o tema de hoje: a valsa “Recordando Pattápio”. Mais parecendo uma suíte, com diferentes movimentos, traz de tudo: uma espécie de prelúdio de piano solo, extremamente técnico, seguido da entrada majestosa da banda, além de um lindo bailado entre as teclas e a flauta – num justíssimo tributo ao flautista Patápio Silva. Há ainda, nesse momento do álbum, uma inesperada canção, o “Coco De Alagoas”, de título autoexplicativo. Outra valsa belíssima é “Carmélia”, que, no relançamento, fica próxima de “Chora Coração”, choro legítimo – e o contraste entre as duas faixas é menos anticlimático do que aparenta. Mais um gênero marca presença é a marcha, representada por “Presidente Carmona”. Ali, a Banda Vila Rica rouba a cena, como ocorre, também, em “Sem Nome”, maxixe dos bons. Fechando o disco, duas composições interessantes: “Dulce”, que tem compassos ternários, mas dificilmente pode ser enquadrada como valsa, tanto por seu andamento acelerado, quanto por intercalar diferentes climas; e “Dois Namorados”, cujo título espelha os encontros e desencontros de um casal, representados pelas duas mãos ao piano. Altamiro Carrilho tinha razão: Tia Amélia merece todas as homenagens!

5 replies to “83. Tia Amélia, Banda Vila Rica: “Recordando Pattápio”

  1. Foi a homenageada do Chorando Sem Parar 2022/2023 (em março, devido à copa do mundo). O convidado foi o pianista Hércules Gomes, que gravou em 2020 o álbum “Tia Amélia para sempre” (Selo Sesc).

    ps. Eu achava que gostava de música antiga até conhecer o Demorô e suas músicas de 1910… Abc!

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    1. Ô saudade que eu tô de um Chorando Sem Parar! Precisamos combinar de aparecermos este ano, e quem sabe eu te recepcione com um copão de chopp, como fiz em 2010 (ou 2011? Não lembro)!

      Sobre o Hércules Gomes, tá cotado para aparecer aqui, mas vai depender do surgimento de algum espacinho, pois a listagem dos temas está praticamente fechada.

      Por fim, quanto ao Demorô, eis a definição de “saudade do que não vivi”!

      Grato pela visita e pelo comentário!

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  2. Sensacional! Banda Vila Rica com Tia Amélia não tem erro! Hércules Gomes no Chorando Sem Parar? Pô, agora eu é que fiquei chorando sem parar por ter perdido essa!

    A melhor coisa para fechar o ano era o Chorando Sem Parar, com chopp e acarajé, isso sim é brasilidade!

    Quanto ao saudosismo de meus gostos, na verdade, penso que se trata mais de uma atitude em ser do contra mesmo, afinal, parece ser uma reação a um modelo de sociedade que insiste em se desvalorizar e esquecer seu passado, ansiosa por absorver tudo que vem do estrangeiro.

    Parabéns aí Ferinha pelo trabalho em preservar e promover a brasilidade e saudações ao estimado Krusty, mais um grande apreciador da nossa cultura!

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    1. Boa, Marcos Paulo! Ô saudade de curtir um Chorando com você, Krusty e outros bons amigos, com um choppinho e um acarajé daqueles queeeeeentes!

      Quanto ao seu gosto, digo que é muito legal ter um camarada que gosta dessas antiguidades. Nosso passado musical é riquíssimo e sempre guarda boas surpresas, e é gente como você que nos dá acesso a esse mundo.

      Grande abraço e grato pelo comentário.

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