92. Mestre Luiz Paixão: “Samba Da Santa”

Mestre Luiz Paixão tem uma bonita história de devoção à música: rabequeiro desde o início da adolescência e cercado por músicos na família, ganhou certo renome nas festas do cavalo marinho pernambucano, sendo uma das referências do movimento do manguebeat (graças ao entusiasmo de um então jovem Siba, nos primórdios da banda Mestre Ambrósio), o que contribuiu para lhe apor uma aura um tanto lendária. Em Forró de rabeca (2021), o mítico mestre alinha diversos temas, entre composições autorais e do domínio público. As faixas (em sua maior parte, cantadas, mas há também ótimos números instrumentais, como “Amor Amor Amor”, uma vinheta de rabecas que soa quase sinfônica) se distribuem entre vários ritmos tocados em Pernambuco e adjacências, animando os festejos populares folclóricos, além dos forrós mais cotidianos. Os próprios títulos dão indicações sobre os ritmos da vez, como ocorre com a linda “Ciranda Da Macaxeira”, com o “Samba Das Rabecas”, com “Dona Maria O Coco É Redondo” e com os forrós, o “Forró Do Cambiteiro” e a faixa-título. Um dos destaques é “Menina Linda”, xote delicioso com os únicos vocais que Luiz Paixão gravou no álbum (as demais faixas são cantadas por convidados diversos). E, como tema de hoje, elejo a faixa de abertura, o “Samba Da Santa”, dele próprio. Acho muito interessante como o samba, que corre o Brasil por todos os seus estados, pode soar tão diferente, a depender da região em que é composto/tocado: em São Paulo, tem sotaque italiano e um caráter urbano e boêmio; no Rio, ganha um molejo especialmente convidativo à dança, especialmente na forma de gafieira; na Bahia, é percussivo e ritualístico, orgulhoso de suas raízes no canto dos escravos; e, em Pernambuco, pode soar inesperadamente ibérico, graças ao toque da rabeca, como ocorre nesse nosso tema, sintetizando séculos de diálogo entre a musicalidade hispano-portuguesa, as escalas árabes, assim como a sonoridade solene das festas pagãs da Europa Central. Bem, o “Samba Da Santa” tem esse sabor, sem jamais abdicar de uma brasilidade ciosa de suas raízes tropicais.

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