104. Hamilton e Seus Estados: “Titubeando”

À época em que iniciava minha graduação, no começo dos anos 2000, ouvia falar bastante sobre Hamilton e Seus Estados. Na agenda cultural da cidade, semanalmente repassada no telejornal da EPTV, era comum a indicação de algum show do conjunto pelos palcos de São Carlos. Naqueles anos, às voltas com funções ψ e hamiltonianos em disciplinas do bacharelado em química, já entendia o trocadilho do título: Hamilton Viana, então docente da Universidade Federal de São Carlos, dividia-se entre a física e a música, juntando-se a um coletivo de competentes músicos para compor e tocar obras que se valessem da diversidade rítmica dos muitos estados brasileiros.

Entre esses instrumentistas, estava o percussionista Henrique Rozenfeld, docente universitário também (mas da USP, não da UFSCar), com quem tive a honra de tocar num conjunto de samba entre 2014 e 2015. Outro baita músico recrutado de São Carlos, e também professor da USP, era João Fernando Gomes de Oliveira, o popular saxofonista “Moringa” – com esse, nunca cheguei a tocar, mas, na adolescência, minha banda de rock foi convidada para uma espécie de mini-festival que aconteceu em sua casa, e lá pelas tantas o anfitrião improvisou um pocket show de jazz, inesquecível, com nossa cozinha (a bem da verdade, a única seção da banda que tocava de verdade), Juca Baldan e Bruno Berlini.

Bem, em 2004, Hamilton e Seus Estados apresentou seu primeiro álbum, Cantos do Brasil, com 14 faixas. Entre elas, há acenos para diversos gêneros: a abertura é o “Baião Barroco (Cavalo Marinho)”, seguindo-se “Marítima” (bossa cheia de latinidade) e duas canções plácidas, “Água De Pupila” e “Contraste”. Aqui, vale dizer algo sobre as vozes: três vocalistas se revezam, Maria Butcher, Roberta Reiff e Regina Dias – esta, talvez minha cantora favorita de São Carlos, a quem já assisti (e aplaudi) em vários palcos da cidade.

Outros gêneros que aparecem no álbum são a toada (“Quando Foi?”) e o forró (“Pastel De Feira”, que lembra o clássico “Feira De Mangaio”, de Sivuca), a bossa mais tradicional (“Porto Do Acaso”, cuja letra, sobre um certo João Pescador, nos remete a Dorival Caymmi) e uma piscadela ao lado mais bucólico do Clube da Esquina (“Arranjos Florais”, que é puro Beto Guedes).

Vale notar, também, a presença de diversos temas instrumentais. O primeiro deles, de título autoexplicativo, é o “Sambatuque” (muito bom, pena que é curtinho). Bem no meio do álbum, aparece uma composição clássica da música instrumental brasileira: a “Bachianinha nº 1” de Paulinho Nogueira, com um arranjo sóbrio e reverente às versões já registradas pelo compositor. Logo após, surge a faixa-título, a única em que se escuta uma voz masculina, sendo um tema vocal-instrumental com leve acento blueseiro.

Por fim, há a trinca que encerra o álbum: a vinheta “Frevura”, “Vértice” (última canção do disco, também uma bossa e cantada por Regina Dias, com o lindo verso que fala do “látex morno do amor compartilhado”) e o nosso tema de hoje, “Titubeando”. Como diversas outras faixas de Cantos do Brasil, esse choro (como denuncia o título no gerúndio) é obra do tecladista e saxofonista Fred Cavalcante. Chama a atenção pelo formato pouco convencional da instrumentação, já que não temos um regional o executando, mas praticamente um conjunto de câmara, com piano, cordas e clarineta, além de sua melodia “titubeante”, que atravessa, inclusive, momentos harmônicos quase sombrios.

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