105. Lanny Gordin: “Jaboticaba (As Folhas Que Um Dia Deixei De Comer De Minha Jaboticabeira)”

Conheci a história de Lanny Gordin, lendário guitarrista da tropicália, num volume da Showbizz (nº 177, abril de 2000). Ali, a aura mítica do instrumentista naturalizado brasileiro, embora nascido em Xangai (!), era, ao mesmo tempo, reforçada (dizia a chamada de capa: “A incrível trajetória do maior guitarrista brasileiro de todos os tempos”), desfeita e substituída pelo realismo da imagem de um personagem esquecido, num ostracismo tão indevido quanto revoltante. O texto, de Luciano Marsiglia, além de resgatar a história de Lanny, descrevia o estilo do músico que acompanhou figurões como Jards Macalé, Gal, Gil e Caetano: uma sofisticação harmônica jazzística, beirando a dodecafonia, temperada por melodias inventivas e solos inesquecíveis, colhendo influências de diversas regiões e pátrias, num compromisso apenas com a liberdade. Findos os anos 1970, Lanny sofreu com a esquizofrenia, passou por internações em manicômios, e, muito lentamente, foi se refundando. Um passo importante foi a gravação de seu primeiro álbum solo, Lanny Gordin (2001). A edição do disco, pela Baratos Afins, foi uma sugestão de Luiz Calanca, proprietário da Baratos e aluno de Lanny. A partir de 23 fitas que registraram suas aulas, o produtor reuniu 11 números que dão uma pequena, ainda que confusa, mostra do talento do instrumentista. As faixas possuem títulos engraçados – como “Groselha (O Sapato)”, “Bife Bossa”, “Baião Da China” e “Filé De Frango” – e captam apenas Lanny improvisando sobre acordes dissonantes, às vezes, numa pegada mais bossa-novista, outras, passeando à Hendrix por escalas blueseiras, ou realizando tudo simultaneamente, entre cromatismos e variações rítmicas, como no tema de hoje, a psicodélica “Jaboticaba (As Folhas Que Um Dia Deixei De Comer De Minha Jaboticabeira)” (repare, novamente, no inacreditável título). Não é lá um dos mais lindos discos instrumentais, mas tem valor documental e serve como uma eloquente demonstração da genialidade e da técnica de um dos mais curiosos heróis da música brasileira. Vale notar, também, que algumas das faixas de Lanny ganhariam versões mais bem-acabadas (diria definitivas) nos dois volumes de Projeto Alfa, que uniu o guitarrista aos músicos Guilherme Held, Fábio Sá e Zé Aurélio. Veja-se, por exemplo, o que foi feito, ali, de “Jaboticaba”, que ressurge quase irreconhecível – e provavelmente traremos o Alfa para o blog, mais pra frente:

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