108. Álvaro Carrilho: “Tangerina”

Ao contrário de seu irmão mais famoso, Altamiro, Álvaro Carrilho não fez da música seu principal ofício. No entanto, esse flautista, crescido numa família musical, pôde dedicar-se mais à arte a partir de 1981, sendo de 1999 o único lançamento seu amplamente disponível para audição, disco epônimo que é um deleite para os amantes do choro.

Não há grandes ousadias musicais nem inovações, mas Álvaro Carrilho traz um atrativo nem sempre presente nos regionais: as polifonias de flautas, ou da flauta com outro instrumento de sopro. Afinal, nas 13 faixas, são raras aquelas em que Álvaro toca sozinho, como ocorre na abertura, “Na Sombra Da Caramboleira” – que, em compensação, traz o lindo violão tenor de Pedro Amorim (lembrando, claro, Garoto) e possui uma melodia sinuosa, às vezes, remetendo ao contorno melódico do clássico “A Flor E O Espinho”, de Nelson Cavaquinho.

É na faixa seguinte, a lúdica “Brincando Com Os Netos”, que começam os duetos, nesse caso, de Álvaro consigo mesmo, tocando flauta e flautim, com o neto Pablo ao violão. A seguir, vem a divertida “Tangerina”, composta e tocada com o irmão Altamiro, com quem a flauta de Álvaro duela e baila – e a beleza desse duo me faz tomá-la como tema de hoje.

O “Choro Torto”, tema seguinte, tem a clarineta do grande Paulo Sérgio Santos, enquanto “Chorando Em Barbacena” reúne, novamente, Álvaro e Altamiro, com a participação de Jorginho do Pandeiro. Aqui, é bom lembrar do excelente time de músicos: lá estão nomes como Luciana Rabello (cavaquinho), João Lyra (violão), o já mencionado Pedro Amorim (que, além das cordas, se arrisca no pandeiro em algumas faixas) e Maurício Carrilho (filho de Álvaro, tocando violão e assinando os arranjos).

Voltando às faixas, a melancólica e saudosista “Sentimento Carioca” tem a participação de Joel Nascimento no bandolim, com um dueto, em uníssono, entre as flautas dos Carrilho. “Inaugurando”, logo depois, volta às polifonias de Álvaro consigo mesmo, seguindo-se mais uma faixa de cunho familiar, a valsa “Zélia”, dedicada à esposa.

Um dos mais belos choros do disco é o arrepiante “Plangentes Violões”, que agrega Celsinho do Pandeiro (filho de Jorginho e, portanto, sobrinho de outra sumidade da música brasileira, Dino 7 Cordas) e, novamente, Paulo Sérgio Santos. Como é lindo o canto e o contracanto que flauta e clarineta desenham nesse choro do século XX que soa extremamente clássico!

Nas faixas seguintes, o lado curioso de Álvaro Carrilho aflora, com um bom número de sambas. “Marimbondo”, por exemplo, com Gordinho no surdo, chega a lembrar “Deixa A Menina”, famosa composição sambista de Chico Buarque. “Ranchinho Abandonado” também tem um quê de samba, o que se repete em “Sem Perdão” – dessa vez, com leve sotaque bossa-novista.

Para encerrar, nada como um retorno divertido, em tom de celebração familiar, ao choro: a propriamente intitulada “Noite Festiva” é composição dos irmãos flautistas, mais o outro irmão Carlos, e traz, como na abertura do disco, apenas a trilha da flauta de Álvaro. Impressionante o quanto o choro pode dever tanto a uma única família!

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